quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Maria Das Dores e o Nascimento de mais um Jesus

Vinte e quatro de Dezembro, Maria das Dores, sofre as dores de dá a luz ao filho.
Já são 23 h, e somente agora conseguira dá entrada no hospital.
As outras vezes que viera, mandaram voltar pra casa porque ainda não havia dilatado o necessário para o nascimento do bebê. E como não tinha leito, não era aconselhável ficar no hospital.
Das Dores, teve que voltar de pé pra casa. A distância de seu bairro até o hospital municipal é de nada menos que seis quilômetros. O dinheiro que ela tinha, reservara somente para pagar uma ida e uma volta ao hospital. Agora duplicou seu gasto. É melhor voltar a pé, e ter grana pra voltar quando as dores intensificarem novamente, e depois que dá a luz ao filho retornar pro seu lar de táxi.
Por sorte, uma rua após o hospital, na primeiro de Janeiro, ia descendo um carroceiro conhecido da família. Na verdade nem era pra Gilson, o carroceiro, está transitando com transporte de tração animal por aquela rua, pois desde que a Norte Energia, empresa dona da barragem de Belo Monte se instalou em Altamira, o trânsito ficou um caos, e limitaram as ruas que os carroceiros poderiam circular. O fato é que Gilson, ao avistar Das Dores, ofereceu carona em seu humilde transporte. A mulher nem hesitou em aceitar a oferta e com uma certa dificuldade subiu na carroça e foi pra casa.
Maria Das Dores, é uma jovem de 21 anos, negra, de 1,70  m de estatura. Linda demais da conta, daquelas de parar o trânsito. Mas, que pra ajudar no sustento de casa, dedicou-se ao trabalho desde os 12 anos de idade, e de forma gradual foi abandonando os estudos, parando na metade do primeiro ano do ensino médio.
A jovem, mora com sua mãe e mais um casal de irmãos mais novos. Numa casa de madeira, num bairro chamado Liberdade.
Depois de quarenta e cinco minutos, aguentando os solavancos na carroça, por conta das ruas esburacadas, enfim Maria chega em casa. Desce da carroça com o mesmo cuidado que subiu no transporte, e adentra sua residência.
Dona Gilda, mãe de Maria, agradece a Gilson pelo grande favor que acabara de fazer.
Dona Gilda, como toda mãe ficara muito triste quando soubera que sua filha estava grávida. Ela ainda tinha esperança de ver Maria de volta aos estudos e formada em Doutora.
Dona Gilda já havia alertado diversas vezes sobre o que poderia acontecer com o namoro com um engenheiro da CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte), mas a jovem sonhadora, não escutou a mãe.
Das Dores estava trabalhando como Auxiliar de Serviços Gerais nas repúblicas onde moram alguns engenheiros da CCBM. Por lá conheceu Germano, um Engenheiro Civil de 34 anos, vindo de Minas Gerais.
Quando Germano viu Das Dores avisou logo aos outros companheiros da república ‘essa é minha!’. Com toda sua lábia de homem experiente, depois de várias tentativas conseguiu dobrar a moça. Mas pra isso teve de fazer um pedido de namoro.
- O sinhô tá achando que eu sou dessas aí que sai ficando com todo mundo é? Eu sou moça de respeito, se quiser, tem que namorar comigo- desta forma achava que escaparia de ser mais uma na contagem dos barrageiros que vêm de outras cidades, e saem com as mulheres de Altamira pra sair contando vantagem.
Germano não hesitou e começou a namorar com Maria. Fazia planos com a jovem, prometia o paraíso à pra ela.
- Das Dores tu ti esperta com esse homi! Depois, depois! Ele num é daqui, ti usa, ti embuxa e vai embora depois- era o aviso que dona Gilda dava à filha todos os dias.
Mas Maria já estava perdidamente apaixonado por Germano, não ouvia mais os conselhos da mãe.
Dona Gilda, como toda boa mãe, certo mês percebeu que a menstruação de Das Dores não veio:
- Das Dores o que tá acontecendo, que tuas regras do mês ainda não veio?
- Num sei mãe! Eita que a senhora também num me deixa em paz hein?- retrucou Maria.
- Nesse tempo todo tu nunca atrasou tuas regras, e tu me diz pra mi ti deixar em paz! Tu num vai me aparecer com um buxo aqui menina!- Falou a mãe.
Dona Gilda terminou de criar seus três filhos sozinhos, porque seu ex-marido quando bebia ficava violento e batia nela e nos filhos. Dona Gilda sabia o peso de ser mãe solteira.
Com as suspeitas levantada pela mãe, Maria comprou um teste de farmácia e constatou, que estava grávida. Naquele instante ela perdeu o chão, sem saber o que fazer. Como iria contar pra mãe? Resolveu contar pra Germano, afinal ele declarou amá-la por diversas vezes, já até prometera casamento, ele lhe passaria confiança.
No fim da tarde quando Germano chegou do canteiro de obras, Maria foi a seu encontro. Ela contou que estava grávida e que precisa de ajuda pra contar pra mãe dela.
- Grávida? Como assim? Isso não poderia acontecer! - Foram as palavras do homem.
Naquele instante todo o romantismo de Germano desapareceu.
- Não pode acontecer! Olha está tudo bem, tem calma! Sua mãe não precisa saber de nada. - foram as falas de Germano, meio ofegante.
- Como assim? O que vamos fazer então? - indagou Maria.
- Você vai abortar, essa criança não pode nascer. Você está ouvindo? Ninguém pode saber que você está grávida- falou Germano com a voz exaltada.
- Como assim abortar? Tu disse que teu sonho era ter um filho comigo. Por que tu tá falando assim? – Indagava Das Dores, agora mais desesperada ainda.
O mundo de Maria havia desabado. Os sonhos, as promessas, nada era verdade.
- Eu sou casado Maria! Tenho uma família em Minas. Tenho mulher, tenho uma filha. Entenda! Essa criança não pode nascer, ou você acaba com tudo que eu tenho. – Discorria Germano.
Maria não sabia que Germano era casado. Até então, ele só falava de seus pais e seus irmãos.
- Canalha! Canalha! Você disse que ia casar comigo! Tu acabou com minha vida. – falava Maria aos prantos.
Já não havia mais o que fazer, ela pegou sua bolsa e desceu as escadas do prédio chorando.
Ao chegar em casa, ela disse tudo à sua mãe.
O acontecido deixou dona Gilda muito triste e revoltada.
- Esse cabra vai discubri que tu tem mãe. – Falou Gilda.
No dia seguinte, dona Gilda e Das Dores madrugaram na porta da república antes dos engenheiros pegarem o ônibus pro canteiro.
Aos poucos os homens começaram a descer do prédio, e surgi Germano. Dona Gilda revoltada, foi pra cima do homem aos berros e palavrões, exigindo dele que assumisse o filho que fizera. Todos se assustaram com a cena. Entre empurra-empurra Dona Gilda ainda acertou uns bofetões em Germano que ficou com a cara vermelha.
- Olha seu cabra safado, saiba que minha filha vai ter esse filho sim, mesmo sem a tua ajuda. Isso num é papel de homi e di muleque! - Gritou Dona Gilda.
Como resultado, Maria Das Dores foi demitida do Consórcio. O dinheiro da rescisão ela deixou pra comprar o enxoval básico do bebê e pagar uma dividas.
Agora enfim chega o momento do parto. Ainda aguardando um leito, sente as dores intensificarem, deitada numa maca no corredor do hospital.
Quando soube que a criança era do sexo masculino e que nasceria em Dezembro, disse que o nome seria Jesus.
O futuro de Jesus não será fácil. Filho de uma Maria Das Dores, negra, mãe solteira, numa sociedade machista e excludente. Numa cidade onde o progresso é hospitais lotados, escolas sucateadas e repressão a quem questiona os erros.

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