Vinte
e quatro de Dezembro, Maria das Dores, sofre as dores de dá a luz ao filho.
Já
são 23 h, e somente agora conseguira dá entrada no hospital.
As
outras vezes que viera, mandaram voltar pra casa porque ainda não havia
dilatado o necessário para o nascimento do bebê. E como não tinha leito, não
era aconselhável ficar no hospital.
Das
Dores, teve que voltar de pé pra casa. A distância de seu bairro até o hospital
municipal é de nada menos que seis quilômetros. O dinheiro que ela tinha,
reservara somente para pagar uma ida e uma volta ao hospital. Agora duplicou
seu gasto. É melhor voltar a pé, e ter grana pra voltar quando as dores
intensificarem novamente, e depois que dá a luz ao filho retornar pro seu lar
de táxi.
Por
sorte, uma rua após o hospital, na primeiro de Janeiro, ia descendo um
carroceiro conhecido da família. Na verdade nem era pra Gilson, o carroceiro,
está transitando com transporte de tração animal por aquela rua, pois desde que
a Norte Energia, empresa dona da barragem de Belo Monte se instalou em
Altamira, o trânsito ficou um caos, e limitaram as ruas que os carroceiros
poderiam circular. O fato é que Gilson, ao avistar Das Dores, ofereceu carona
em seu humilde transporte. A mulher nem hesitou em aceitar a oferta e com uma
certa dificuldade subiu na carroça e foi pra casa.
Maria
Das Dores, é uma jovem de 21 anos, negra, de 1,70 m de estatura. Linda demais da conta, daquelas
de parar o trânsito. Mas, que pra ajudar no sustento de casa, dedicou-se ao
trabalho desde os 12 anos de idade, e de forma gradual foi abandonando os
estudos, parando na metade do primeiro ano do ensino médio.
A
jovem, mora com sua mãe e mais um casal de irmãos mais novos. Numa casa de
madeira, num bairro chamado Liberdade.
Depois
de quarenta e cinco minutos, aguentando os solavancos na carroça, por conta das
ruas esburacadas, enfim Maria chega em casa. Desce da carroça com o mesmo
cuidado que subiu no transporte, e adentra sua residência.
Dona
Gilda, mãe de Maria, agradece a Gilson pelo grande favor que acabara de fazer.
Dona
Gilda, como toda mãe ficara muito triste quando soubera que sua filha estava
grávida. Ela ainda tinha esperança de ver Maria de volta aos estudos e formada
em Doutora.
Dona
Gilda já havia alertado diversas vezes sobre o que poderia acontecer com o
namoro com um engenheiro da CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte), mas a jovem
sonhadora, não escutou a mãe.
Das
Dores estava trabalhando como Auxiliar de Serviços Gerais nas repúblicas onde
moram alguns engenheiros da CCBM. Por lá conheceu Germano, um Engenheiro Civil
de 34 anos, vindo de Minas Gerais.
Quando
Germano viu Das Dores avisou logo aos outros companheiros da república ‘essa é
minha!’. Com toda sua lábia de homem experiente, depois de várias tentativas
conseguiu dobrar a moça. Mas pra isso teve de fazer um pedido de namoro.
-
O sinhô tá achando que eu sou dessas aí que sai ficando com todo mundo é? Eu
sou moça de respeito, se quiser, tem que namorar comigo- desta forma achava que
escaparia de ser mais uma na contagem dos barrageiros que vêm de outras
cidades, e saem com as mulheres de Altamira pra sair contando vantagem.
Germano
não hesitou e começou a namorar com Maria. Fazia planos com a jovem, prometia o
paraíso à pra ela.
-
Das Dores tu ti esperta com esse homi! Depois, depois! Ele num é daqui, ti usa,
ti embuxa e vai embora depois- era o aviso que dona Gilda dava à filha todos os
dias.
Mas
Maria já estava perdidamente apaixonado por Germano, não ouvia mais os
conselhos da mãe.
Dona
Gilda, como toda boa mãe, certo mês percebeu que a menstruação de Das Dores não
veio:
-
Das Dores o que tá acontecendo, que tuas regras do mês ainda não veio?
-
Num sei mãe! Eita que a senhora também num me deixa em paz hein?- retrucou
Maria.
-
Nesse tempo todo tu nunca atrasou tuas regras, e tu me diz pra mi ti deixar em
paz! Tu num vai me aparecer com um buxo aqui menina!- Falou a mãe.
Dona
Gilda terminou de criar seus três filhos sozinhos, porque seu ex-marido quando
bebia ficava violento e batia nela e nos filhos. Dona Gilda sabia o peso de ser
mãe solteira.
Com
as suspeitas levantada pela mãe, Maria comprou um teste de farmácia e
constatou, que estava grávida. Naquele instante ela perdeu o chão, sem saber o
que fazer. Como iria contar pra mãe? Resolveu contar pra Germano, afinal ele
declarou amá-la por diversas vezes, já até prometera casamento, ele lhe
passaria confiança.
No
fim da tarde quando Germano chegou do canteiro de obras, Maria foi a seu
encontro. Ela contou que estava grávida e que precisa de ajuda pra contar pra
mãe dela.
-
Grávida? Como assim? Isso não poderia acontecer! - Foram as palavras do homem.
Naquele
instante todo o romantismo de Germano desapareceu.
-
Não pode acontecer! Olha está tudo bem, tem calma! Sua mãe não precisa saber de
nada. - foram as falas de Germano, meio ofegante.
-
Como assim? O que vamos fazer então? - indagou Maria.
-
Você vai abortar, essa criança não pode nascer. Você está ouvindo? Ninguém pode
saber que você está grávida- falou Germano com a voz exaltada.
-
Como assim abortar? Tu disse que teu sonho era ter um filho comigo. Por que tu
tá falando assim? – Indagava Das Dores, agora mais desesperada ainda.
O
mundo de Maria havia desabado. Os sonhos, as promessas, nada era verdade.
-
Eu sou casado Maria! Tenho uma família em Minas. Tenho mulher, tenho uma filha.
Entenda! Essa criança não pode nascer, ou você acaba com tudo que eu tenho. – Discorria
Germano.
Maria
não sabia que Germano era casado. Até então, ele só falava de seus pais e seus
irmãos.
-
Canalha! Canalha! Você disse que ia casar comigo! Tu acabou com minha vida. –
falava Maria aos prantos.
Já
não havia mais o que fazer, ela pegou sua bolsa e desceu as escadas do prédio
chorando.
Ao
chegar em casa, ela disse tudo à sua mãe.
O
acontecido deixou dona Gilda muito triste e revoltada.
-
Esse cabra vai discubri que tu tem mãe. – Falou Gilda.
No
dia seguinte, dona Gilda e Das Dores madrugaram na porta da república antes dos
engenheiros pegarem o ônibus pro canteiro.
Aos
poucos os homens começaram a descer do prédio, e surgi Germano. Dona Gilda
revoltada, foi pra cima do homem aos berros e palavrões, exigindo dele que
assumisse o filho que fizera. Todos se assustaram com a cena. Entre empurra-empurra
Dona Gilda ainda acertou uns bofetões em Germano que ficou com a cara vermelha.
-
Olha seu cabra safado, saiba que minha filha vai ter esse filho sim, mesmo sem
a tua ajuda. Isso num é papel de homi e di muleque! - Gritou Dona Gilda.
Como
resultado, Maria Das Dores foi demitida do Consórcio. O dinheiro da rescisão
ela deixou pra comprar o enxoval básico do bebê e pagar uma dividas.
Agora
enfim chega o momento do parto. Ainda aguardando um leito, sente as dores
intensificarem, deitada numa maca no corredor do hospital.
Quando
soube que a criança era do sexo masculino e que nasceria em Dezembro, disse que
o nome seria Jesus.
O
futuro de Jesus não será fácil. Filho de uma Maria Das Dores, negra, mãe
solteira, numa sociedade machista e excludente. Numa cidade onde o progresso é
hospitais lotados, escolas sucateadas e repressão a quem questiona os erros.
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