sábado, 24 de agosto de 2013

O Livro

-Maria! Pega, trouxe pra você! É fantástico este livro!- Neide falou, retirando de sua bolsa um livro cinza, antigo, já bem desbotado, e com as folhas amareladas se soltando por conta do desgaste do tempo. Foi este presente o responsável pela presença desta mulher banhando-se num chuveiro de motel às 18h da tarde de um domingo.
Livro de Ana Zaffalon
O livro de poesias fora publicado em 1994. Maria, como amante da literatura, no primeiro momento livre iniciou a leitura do presente. Pela capa, seria uma viagem lenta e calma entre versos apaixonados e melosos. Foi o julgamento elaborado por seu pré-conceito de uma escritora que ela nunca ouvira falar, Ana Zaffalon.
Maria, separada há nove meses, vinha de um relacionamento, onde figurava mais o papel de serviçal do que de uma esposa. Nos seus onzee anos de casamento, nem se lembrava mais da última vez que sentira prazer na cama. Viveu seu matrimonio, sufocando todos seus desejos, por conta de um marido machista e egoísta, que não levava o sexo a mais que cinco minutos.
Coragem e Caprichos de Mulher, o título do livro. Sem grandes expectativas, pulou a apresentação, e foi direto às poesias.
Poemas sem rimas. No quarto texto, Maria já sentira seus julgamentos anteriores à leitura caírem por terra. Os versos, todos densos banhados numa sensibilidade digna de apertar o peito de qualquer leitor.
Maria lia, e ao mesmo tempo se perguntava como uma mulher tinha tanta liberdade pra expor àqueles sentimentos, sensualidades, desejos se pudor algum. Ela começava a invejar a autora, imaginava-se, ainda meio numa auto-recriminação sendo a inspiração das poesias.
Era tanto desejo reprimido, que Maria começou a rebuscar na memória a última vez que tocara seu corpo intimamente.
Livro de Ana Zaffalon
Sua memória lhe trouxe os momentos de antes de conhecer seu ex-marido, de quando saía na noite, provocava os homens com toda sua beleza e sensualidade, típica de uma ninfeta de 19 anos, que dois anos de namoro e onze de casamento conseguiram apagar.
Da página 25 chegando à 27, Maria deu-se conta que apenas uma de suas mãos segurava o livro, a outra inconscientemente percorrera seu corpo que estava arrepiado e num calor involuntário, que a central de ar não dava conta de esfriar.
Foi a gota! Fechou o livro, foi pra de baixo do chuveiro e ensaboou seu corpo numa demora como nunca tinha feito. E foi dormir.
Na manhã seguinte, Maria-professora do fundamental menor- pegou sua bolsa e dirigiu-se de pé ao trabalho como todos os dias. O trânsito infernal, fruto do progresso chegado ao seu município. A cada esquina que ela passava, várias pessoas esperando o ônibus pra ir até o canteiro de obras da barragem. A maioria homens!
Estranhamente, a professora, começou a ver mais que operários esperando a condução pra ir trabalhar. Num dado momento pegou-se comendo um deles com os olhos de forma descarada. E ao se perceber nesse ato lascivo, apressou os passos de forma desconcertada.
Maria, uma linda morena de cabelos cacheados, um corpo de dá inveja a muitas meninas de 18 anos. Suas curvas delineadas sempre fizeram todos os homens pararem ao vê-la passar. E por isso, enquanto casada, seu marido, a mantinha presa, era só do trabalho pra casa, por conta de ciúmes, ao saber que ela chamava a atenção de qualquer um aonde quer que fosse.
Uma coisa era fato, Maria estava com a mente em êxtase, com a libido a flor da pele como a muito tempo não se sentia. Tudo por conta das poesias de Ana.
Nesses nove meses de separada, já fora assediada por vários homens tentando leva-la pra cama. Mas não se sentia preparada pra outras experiências desse tipo nesse momento da vida dela. Mas agora os desejos afloraram, e ela não conseguia mais controlar.
Ao chegar a noite, quando foi pra cama, pegou novamente o livro e retomou a leitura.
Página a página era tudo muito real. A escritora fora de uma precisão ao colocar em versos cada fato, cada sentimento.
Em Intimidade, como num manual de auto-caricia, sua mão chegou até sua calcinha, que em movimentos contínuos lhe levara ao gozo, sensação que seu corpo não sabia mais nem como era. Em Escrava, viu-se nos tempos de casada, e preferiu ir dormir com as sensações do prazer tido a pouco.
Era nova mulher. Um livro, 59 poesias, uma autora, despertara a mulher dentro de Maria.
No domingo a tarde, Neide lhe chamou pra ir à beira rio tomar uma cerveja, ouvir musica e colocar as conversas em dias. E foram em cinco amigas, algumas casadas outras solteiras. Na peixaria, tinha várias pessoas, dentre elas um homem charmoso, que já havia por diversas vezes convidado Maria pra sair.
Ele, Alberto, ao vê-la foi logo cumprimenta-la.
O tempo foi passando, e já com a tarde findando, as amigas resolveram ir embora. Na frente da peixaria, cada uma com seu transporte e Maria de carona com Neide. Alberto apareceu e perguntou se não poderia leva-la. Sem hesitar,  Maria aceitou, desceu da moto de Neide e entrou no carro com o homem.
A sós com Alberto, ela começou a lembrar-se do livro. Da mulher forte, corajosa e dona de si exposta pelas poesias. E no ritmo da conversa, Maria falou:
- Não quero nenhum homem na minha casa por enquanto, me leve a outro lugar!
Alberto entendeu o comando e foi para o motel. Lá, Maria libertou suas fantasias. Não houve qualquer vergonha, por ser a primeira vez com aquele homem. Ela o consumiu como se fosse a primeira e última vez que transaria na vida.
Agora, sentindo-se realizada banha-se no banheiro de um motel, experimentando a sensação de liberdade, de se sentir mulher, de estar viva.


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