domingo, 29 de julho de 2012

Histórias de uma noite


Na noite passada muitas coisas aconteceram. Saí com uns amigos, ficamos conversando e bebendo num quiosque na Orla do Cais. Cada um com suas namoradas, eu, sozinho, carregando a densa companhia da solidão.
Depois de esgotarmos nossa disposição de conversarmos, cada um foi para o seu programa particular. Deparei-me naquela mesa sem ninguém. Eu não queria voltar pra casa àquela hora. Carente de um afeto feminino imediato. Mas quem poderia sanar meu anseio?
Decidi num impulso incontrolável ir a um bordel recentemente aberto na cidade. Colegas que já haviam estado lá disseram encontrar mulheres que além de excelentes profissionais do prazer, eram boas companhias pra conversar. Assim como eu, eles não procuravam exclusivamente por sexo, mas por um pouquinho de carinho, ainda que fosse de mentiras, mas que se expressassem de forma sincera.
Não me preocupo com o julgamento alheio, nem me atentei ao fato de ser visto entrando na Casa da Luz Vermelha.  Alguns de meus colegas não conseguem conceber a ideia de pessoas fora do seu circulo de amizade masculina saibam que frequentam este tipo de lugar. Tento entender o porquê disso! Pra quê se censurar em pagar por um momento de prazer, se há tantos  relacionamentos conjugais movidos por uma relação financeira implícita, e consentida por todos na sociedade.
Entrando no recinto, deparo-me com uma velha conhecida. Uma linda mulher, resultado de uns traços que restaram da pré-adolescente que conheci no ensino fundamental. Quando nos vimos, nossos olhares tentaram fugir um do outro, num ato repentino de autocensura. No entanto, não havia mais como nos ignorarmos.
Sentei sozinho numa mesa. A mulher veio me cumprimentar, era o imperativo do manual de educação entre duas pessoas que se conhecem.
As passadas que ela dava no meio do salão revelava cada vez mais sua beleza. Uma morena de cabelos cacheados, pele cor de jambu.
A Casa exalava libertinagem, na mesma proporção que minha amiga minava dor. Percebi no seu olhar. Uma estampa nítida, recado que parecia eu ser o único a enxergar. Vi, não apenas um corpo escultural, mas a companhia de uma alma ferida.
Seu plano em primeiro momento era só me dá as boas vindas e sair. Pedi a ela que sentasse, relutante atendeu meu pedido.  Sem dúvidas eu era o cliente mais indesejado por ela naquela noite. Não por apresentar mau aparência, ou cheiro ruim, mas porque eu sabia quem ela era.
Sandra, no passado, tempos de escola, era a nerd da turma. Sem falar que era fruto de desejo de todos os meninos da escola, por apresentar desde cedo uma beleza tentadora. Entretanto, a então menina, era uma das mais centradas da escola, incapaz de ceder a qualquer investida dos garotos mais atirados.
Quando terminamos o ensino fundamental fomos para escolas diferentes e nunca mais nos vimos. Agora encontro-a num bordel, mercantilizando seu corpo.
Perguntei a ela o que aconteceu com o sonho de ser jornalista.
- Sonhos são alimentos ilusórios pra criança pensar que todos podem vencer na vida- Sandra respondeu com a voz trêmula.
A mulher lembrou-me que para que continuasse a conversar eu teria que pedir um drink pra mim e outro pra ela, normas da Casa.
Imediatamente pedi os drinks. Sandra continuava de cabeça baixa. A segurança esboçada por todas que trabalhavam ali, ausentou-se dela ao me avistar.
Entre um gole e outro de uísque, Sandra desarmava-se da timidez que minha presença lhe causava, e contava todas suas feridas, caminhos que lhe levou até ali. Entendi então os fatos capaz de forçá-la a chegar até ali.
Sandra não estava se justificando por ser uma garota de programa.
- Sem romantismo. Não pense: pobre menina sofreu tanto e como única alternativa sobrou-lhe a prostituição. Tive outras oportunidades dignas de reconhecimento dessa sociedade preconceituosa, mas tão sofrida ou mais quanto essa que optei pra viver- explicou a mulher.
Os motivos de suas amarguras eram a morte da mãe, e o rompimento do noivado, tudo de forma consecutiva. A mãe morrera quando Sandra ainda cursava o primeiro ano do ensino médio.
Esses fatos a fizeram fazer escolhas que hoje ela julga precipitadas.
Fui me envolvendo rapidamente com toda sua história. Entre um gole e outro, sem o costume de consumir bebida alcoólica, fiquei bem alto, forçando para manter-me na lucidez.
Dor de cabeça é tudo que sinto agora, sem lembrar o que veio depois, como parei nesse quarto. Deitada na mesma cama, Sandra. Sobre seu corpo somente o lençol, e eu não sei o que fizemos.
Muita coisa aconteceu, há muito pra saber.

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