Na noite passada muitas coisas
aconteceram. Saí com uns amigos, ficamos conversando e bebendo num quiosque na
Orla do Cais. Cada um com suas namoradas, eu, sozinho, carregando a densa
companhia da solidão.
Depois de esgotarmos nossa disposição
de conversarmos, cada um foi para o seu programa particular. Deparei-me naquela
mesa sem ninguém. Eu não queria voltar pra casa àquela hora. Carente de um
afeto feminino imediato. Mas quem poderia sanar meu anseio?
Decidi num impulso incontrolável ir a
um bordel recentemente aberto na cidade. Colegas que já haviam estado lá
disseram encontrar mulheres que além de excelentes profissionais do prazer,
eram boas companhias pra conversar. Assim como eu, eles não procuravam
exclusivamente por sexo, mas por um pouquinho de carinho, ainda que fosse de mentiras,
mas que se expressassem de forma sincera.
Não me preocupo com o julgamento
alheio, nem me atentei ao fato de ser visto entrando na Casa da Luz
Vermelha. Alguns de meus colegas não
conseguem conceber a ideia de pessoas fora do seu circulo de amizade masculina
saibam que frequentam este tipo de lugar. Tento entender o porquê disso! Pra
quê se censurar em pagar por um momento de prazer, se há tantos relacionamentos conjugais movidos por uma
relação financeira implícita, e consentida por todos na sociedade.
Entrando no recinto, deparo-me com
uma velha conhecida. Uma linda mulher, resultado de uns traços que restaram da
pré-adolescente que conheci no ensino fundamental. Quando nos vimos, nossos
olhares tentaram fugir um do outro, num ato repentino de autocensura. No
entanto, não havia mais como nos ignorarmos.
Sentei sozinho numa mesa. A mulher
veio me cumprimentar, era o imperativo do manual de educação entre duas pessoas
que se conhecem.
As passadas que ela dava no meio do
salão revelava cada vez mais sua beleza. Uma morena de cabelos cacheados, pele
cor de jambu.
A Casa exalava libertinagem, na mesma
proporção que minha amiga minava dor. Percebi no seu olhar. Uma estampa nítida,
recado que parecia eu ser o único a enxergar. Vi, não apenas um corpo
escultural, mas a companhia de uma alma ferida.
Seu plano em primeiro momento era só
me dá as boas vindas e sair. Pedi a ela que sentasse, relutante atendeu meu
pedido. Sem dúvidas eu era o cliente
mais indesejado por ela naquela noite. Não por apresentar mau aparência, ou
cheiro ruim, mas porque eu sabia quem ela era.
Sandra, no passado, tempos de escola,
era a nerd da turma. Sem falar que era fruto de desejo de todos os meninos da
escola, por apresentar desde cedo uma beleza tentadora. Entretanto, a então
menina, era uma das mais centradas da escola, incapaz de ceder a qualquer investida
dos garotos mais atirados.
Quando terminamos o ensino
fundamental fomos para escolas diferentes e nunca mais nos vimos. Agora
encontro-a num bordel, mercantilizando seu corpo.
Perguntei a ela o que aconteceu com o
sonho de ser jornalista.
- Sonhos são alimentos ilusórios pra
criança pensar que todos podem vencer na vida- Sandra respondeu com a voz
trêmula.
A mulher lembrou-me que para que
continuasse a conversar eu teria que pedir um drink pra mim e outro pra ela,
normas da Casa.
Imediatamente pedi os drinks. Sandra
continuava de cabeça baixa. A segurança esboçada por todas que trabalhavam ali,
ausentou-se dela ao me avistar.
Entre um gole e outro de uísque,
Sandra desarmava-se da timidez que minha presença lhe causava, e contava todas
suas feridas, caminhos que lhe levou até ali. Entendi então os fatos capaz de forçá-la
a chegar até ali.
Sandra não estava se justificando por
ser uma garota de programa.
- Sem romantismo. Não pense: pobre
menina sofreu tanto e como única alternativa sobrou-lhe a prostituição. Tive outras
oportunidades dignas de reconhecimento dessa sociedade preconceituosa, mas tão sofrida
ou mais quanto essa que optei pra viver- explicou a mulher.
Os motivos de suas amarguras eram a
morte da mãe, e o rompimento do noivado, tudo de forma consecutiva. A mãe
morrera quando Sandra ainda cursava o primeiro ano do ensino médio.
Esses fatos a fizeram fazer escolhas
que hoje ela julga precipitadas.
Fui me envolvendo rapidamente com
toda sua história. Entre um gole e outro, sem o costume de consumir bebida
alcoólica, fiquei bem alto, forçando para manter-me na lucidez.
Dor de cabeça é tudo que sinto agora,
sem lembrar o que veio depois, como parei nesse quarto. Deitada na mesma cama,
Sandra. Sobre seu corpo somente o lençol, e eu não sei o que fizemos.
Muita coisa aconteceu, há muito pra
saber.
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